Decidi que ao longo deste mês de Outubro as minhas
crónicas semanais incidiriam sobre a Rádio Moçambique, a entidade pública de
radiodifusão que foi criada a 2 de Outubro de 1975. A de hoje leva-me a
questionar sobre uma frase que um dia me foi dita por um dos responsáveis da
nossa emissora pública. Dizia ele que “a rádio tem o seu compromisso com o
Governo”. Eu não tenho dúvidas. Só que esqueceu-se de dizer que tipo de
compromisso é esse. Porque compromissos há muitos. As formas de os materializar
também. Há por exemplo e de forma muito comum nos nossos dias, os compromissos
próprios dos que bastas vezes funcionam como caixa do correio. Recebem ordens e
cumprem. Ditam no sentido vertical. De cima para baixo. Não analisam sequer o
efeito e repercussão que pode provocar uma ordem mal dada.
Quem afirma que “temos um compromisso com o Governo” esqueceu-se,
de outros compromissos que a Rádio tem, sendo que, um deles, o prioritário, é
para com o seu público. É esse o seu destinatário. E é para esse que se deve
trabalhar, no sentido de lhe oferecer aquilo a que ele tem direito, sem
imposições, como hoje acontece. Lamentavelmente, impôr é palavra de ordem. O
chefe mandou fazer, então faça-se.
O chefe mandou por exemplo retirar da Grelha da RM todos
os programas de natureza musical que não têm perfil e conteúdo moçambicano.
Estes só podem ser transmitidos depois das 22 horas. São opções. Como resultado
disso, os que gostam de ouvir Frank Sinatra, Count Bassie, Yves Montand, Maria
Bethânia, Roberto Carlos, Luciano Pavarotti e por aí fora, que se arranjem,
porque afinal, certamente na opinião dos gestores da RM, “esses são uma
minoria”. É por causa dessa minoria que muitos, com um simples gesto, mudam de
estação emissora. Mas aos gestores da nossa rádio pública tanto se lhes dá como
se lhes deu.
E que o diga aquela que foi a Directora Adjunta de
Programas da Rádio Moçambique, (hoje reformada) quando foi confrontada com o
problema pela primeira vez. O Programa da Criança, que estava sob sua batuta,
teve (e acredito que ainda continua a têr) inúmeras dificuldades em pôr em
prática a decisão. E tudo por uma razão bem simples. Não há na RM música moçambicana
de qualidade em quantidade suficiente para “alimentar” horas seguidas de
emissão. Não há nem haverá tão cedo, porque a tendência de hoje (quem sabe se
um mal necessário) é produzir, na maior parte dos casos, música moçambicana de baixa
qualidade. Por isso mesmo, agora, para debelar essa ausência, na Rádio
Moçambique o sistema é “vira o disco e toca o mesmo”.
Até os emblemáticos temas da nossa música, produzidos com
extrema qualidade por Fany Mfumo, Grupo RM, Chico da Conceição, Elvira Viegas,
Ghorwane, Fernando Luís, Baba Harris, Ildo Ferreira, Gabriel Chiau, Alexandre
Langa, Eva Mendonça, Tomás Guilhermino, Aly Faque, Arão Litsuri, Hortêncio
Langa, Eyuphuro, Chico António, José Mucavele, Mingas e tantos outros, viraram
raridade na nossa rádio pública.
Será que é função da RM intoxicar-nos com um tipo de
música, que hoje, qualquer autor, compositor ou intérprete faz com recurso ao
computador?
Bastas vezes, minutos antes da transmissão dum boletim
informativo, apresentam-se extratos de peças de música tradicional. Toca-se
este tipo de música como quem toca, numa emissão de continuidade, uma música
ligeira moçambicana, esquecendo-se que uma peça de música tradicional precisa
de enquadramento através de notas explicativas, que permitam ao ouvinte
perceber o que está a ouvir.
Infelizmente para muitos, com poder de análise e decisão
falta o conhecimento. Lamentavelmente, na nossa rádio pública e não só, há
muitos a engrossar a fileira dos que já não pensam por si. São os outros que
pensam por ele.
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