segunda-feira, 30 de abril de 2012

UM ENIGMA PARA 2014


Quis o destino que os mandatos dos Chefes de Estado de Moçambique e da África do Sul terminem em 2014. Há só uma diferença. Em Moçambique o Presidente Armando Guebuza não pode, por força da Constituição renovar o seu mandato. A menos que a Frelimo se decidisse pela alteração da Lei Mãe do País. E isso não vai acontecer. O próprio partido fez questão de esclarecer que “o Chefe de Estado Moçambicano foi reiteradamente, claro, inequívoco e categórico que não se iria recandidatar ao cargo nas próximas eleições”. O que falta saber é quem vai ser o candidato da Frelimo às eleições de 2014.

        Na África do Sul o Presidente Jacob Zuma pode re-candidatar-se, porque a Constituição permite. Só que, perante todas as convulsões políticas, dificilmente se pode apontar com certeza absoluta que Zuma vai ser o indicado pelo partido no poder para continuar a exercer a sua função na chefia do Estado sul africano.

        Esta semana surgiu um outro dado indicador. O pronunciamento do Vice Presidente Kgalema Motlanthe. Dá o dito por não dito e coloca-se como um dos candidatos para substituir Jacob Zuma, segundo refere o jornal MAIL & GUARDIAN. E ao que se sabe, de há muito a esta parte, apoio não lhe vai faltar. Quanto mais não seja daqueles que continuam a não vêr com bons olhos a forma de governação do Presidente Jacob Zuma.

        Será oportuno lembrar que Kgalema Motlanthe começa a dar nas vistas quando exerceu a função de Chefe de Estado Interino, após o ANC ter decidido, na sequência do Congresso de 2007, retirar Thabo Mbeky do poder.

        Ao nível de base, as Conferências preparatórias do próximo Congresso do ANC começam em Outubro. A indicação do candidato do partido para as eleições de 2014 é ponto assente.

        A Liga da Juventude, fez e provavelmente vai continuar a fazer campanha a favor Kgalema Motlanthe para Presidente do ANC e Fikile Mbalula (actual Ministro dos Desportos) para Secretário Geral do partido, em substituição de Gwede Mantashe. As vozes anti-Zuma no seio do Comité Executivo Nacional (NEC) incluem nestas mudanças outros nomes de peso como por exemplo o tesoureiro do partido Mathews Phosa, o membro do Comité Executivo Tony Yengeni e o Ministro do Reassentamento Humano Tokyo Sexwale.

        Os apoiantes do actual Vice Presidente consideram que Kgalema Motlanthe tem capacidade para exercer o cargo por várias razões, sendo de destacar a sua capacidade estratégica de criar um clima de unidade entre os membros do seu partido e a sua habilidade em resolver conflitos entre as diferentes facções existentes, porque hoje, mais do que nunca “o quadro político actual exige unidade e não divisão”.

Se por um lado Motlanthe demonstra ter essa capacidade de unir, há outros aspectos que podem interferir numa futura decisão. Atente-se por exemplo nos aspectos de alegada corrupção que envolveu figuras públicas e algumas empresas sul africanas, na aplicação dos princípios definidos no programa “Oil-for-Food”  (Petróleo por Alimentos), estabelecido pela Organização das Nações Unidas em 1996 permitindo ao Iraque vender petróleo para o mercado mundial em troca de comida, remédios e outros suprimentos de valor humanitário. A intenção do programa era ajudar o governo iraquiano a garantir as necessidades básicas dos cidadãos iraquianos comuns, prejudicados por sanções econômicas internacionais, impostas ao governo, na esteira da primeira Guerra do Golfo, depois que o Iraque invadiu o Kuwait em Agosto de 1990.

Independentemente desta (aparente) pedra no sapato, os apoiantes de Kgalema Motlanthe consideram que o actual Vice Presidente “tem mais qualidades do que defeitos”. Consideram que ele não é um demagogo, anarquista nem populista.

Estas ideias são consubstanciadas por Lassy Chiwayo, membro senior do ANC e antigo Presidente da Câmara Municipal de Mbombela (Nelspruit) quando afirma que Kgalema Motlanthe “é dos poucos membros do ANC que pode unir todas as classes e sectores do partido”.  Motlanthe, no dizer de Lassy Chiwayo, que trabalhou com o actual Vice-Presidente durante a turbulência política da década de 90, “foi sempre um lider capaz de se entender com os exilados, os presos políticos, os operários, os sindicatos”. É aquilo que muitos analistas locais designam de “homem sereno, pensador, modesto, competente, e respeitador”.

Chiwayo acrescenta: “Kgalema Motlanthe é um produto de esquerda que pode ser descrito como um social democrata”.

Para se saber se a sua candidatura ao cargo de Presidente do ANC vai resultar ou não, teremos de esperar até Dezembro. E Dezembro está aí quase ao virar da esquina.

ANC … combater o tribalismo

Talvez muitos não saibam (os historiadores saberão certamente) que no final do mandato de Nelson Mandela, como Chefe de Estado da África do Sul, em 1998, a sua preferência na escolha do seu successor tenha sido Cyril Ramaphosa, que teve um papel importante naquela época, na condução dos destinos do Sindicato Nacional dos Mineiros. Quem assim o afirma é o analista político Elvis Masoga. Era um sinal indicador de que a substituição poderia ser feita, sem conotação tribal. Mandela um Xhosa e Cyril um Venda. Mas assim não aconteceu. Quis o destino (ou o ANC) que a substituição fosse feita por um outro Xhosa, no caso Thabo Mbeky
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        A ideia de Nelson Mandela caiu por terra.

        Já nessa altura o antigo presidente referia que “ se a situação não fôr controlada, o fantasma do tribalismo vai continuar a ameaçar o ANC”.
        Meu dito, meu feito.

        Agora, volvidos estes anos todos, ao aperceber-se dessa escalada gritante de actos de tribalismo, o partido no poder pretende iniciar o combate. É assim que surge um documento elaborado pela liderança partidária da região do Limpopo e que pode servir de base para uma discussão mais alargada no Congresso do ANC de Dezembro deste ano. 

O documento refere numa das suas passagens que “o partido tem de vencer a guerra contra o tribalismo”. Nele se faz uma análise sobre as causas e consequências. E chega-se a uma conclusão que não é novidade para ninguém: “quem pratica tribalismo atenta contra a democracia e liberdade ”. 

O documento destaca que o tribalismo é maioritariamente praticado por alguns membros do Governo. Estes chegam a colocar nos diferentes departamentos dos Ministérios que dirigem, pessoas da tribo do Ministro, mesmo sabendo de antemão que são “funcionários” com qualificação académica e domínio tecnico-profissional reconhecidamente baixo.

A questão do tribalismo, de acordo com Bricks Mandzini, um dos responsáveis ao nivel da região do Limpopo não está no ANC como partido político, mas sim em alguns dos seus membros. Esta situação afecta muita gente, principalmente os mais pobres. Esses são os tais que “por não terem um padrinho da sua tribo no Governo” dificilmente conseguirão singrar na vida. 

Será bom lembrar que este ano o executivo de Pretória adiantou ideias sobre a necessidade de reformular os poderes atribuidos aos Governos Provinciais, particularmente no que a gastos diz respeito, tendo em conta irregularidades detectadas, particularmente na Provincia do Limpopo, com o dispêndio de avultadas verbas sem qualquer justificação plausível, e que já provocou comentários pouco abonatórios do Ministro das Finanças, o Dr. Pravin Ghordan. E para combater estes “abusos de poder” (alguns dos quais baseados em actos de tribalismo) alguns dos orçamentos provinciais estão sob controlo do Governo Central. 

Despesas injustificadas traduzidas em “luvas” que se pagavam pela adjudicação duma obra a um empresário, porque, pura e simplesmente, esse empresário era da mesma tribo do responsável provincial. Era o apadrinhamento versus qualidade, capacidade, competência. Isto, refere o documento, “é uma forma de enriquecimento ilícito”.

Agora a questão vai a debate público. E até Dezembro é muito provável que haja uma estratégia para combater o tribalismo. Vai ser mais um osso duro de roer para o ANC.

O LADO ERRADO DA HISTÓRIA


Muitos sul-africanos brancos recrutados no periodo do apartheid para lutar em Angola, apoiando a Unita na guerra contra o Governo do MPLA consideram ter lutado “do lado errado da história”. Hoje mostram-se arrependidos. Dizem ter passado momentos dificeis. No teatro de operações, de acordo com depoimentos tornados públicos nem tudo foi fácil, como à partida se poderia imaginar. Lutaram porque lhes disseram que deveriam acabar com o comunismo. Foram, dizem muitos dos que agora dão a cara, momentos dramáticos e por vezes nostálgicos.

Tive acesso a um documento que foi publicado recentemente na África do Sul que inclui uma série de memórias auto-publicadas. Há também alguns documentários e filmes de curta metragem. Um deles, denominado “Meu Coração nas Trevas” e que mostra as atrocidades cometidas pelo movimento de Jonas Savimbi, foi premiado internacionalmente. O seu realizador Marius Van Niekerk considera que o cinema é um meio importante, capaz de aumentar a consciência das pessoas sobre essa intervenção do regime do apartheid, cuja preocupação na altura era “afastar o espectro do comunismo que se agigantava em países como Moçambique e Angola” e que era tido como um perigo para a África do Sul.

Os sul africanos que participaram na Guerra em Angola ao lado da Unita aparecem agora a conceder entrevistas aos jornais locais, relatando as suas experiências, segundo eles negativas, porque “ainda sentimos hoje, volvidos estes anos todos, os traumas que a guerra provocou em nós”.

Um dos que esteve contra a intervenção sul africana em Angola foi Anthony Akerman. Fugiu da África do Sul. Teve de se exilar na Holanda para poder escrever os seus artigos e manifestar as suas opiniões sobre o assunto, porque “dificilmente isso poderia ser feito no interior da África do Sul”. Anthony Akerman contou alguns aspectos das histórias que escreveu à agência noticiosa France Presse.

Paul Morris foi outro sul africano que lutou contra o MPLA. Tinha 18 anos quando foi recrutado pelo regime do apartheid. Hoje, com 45 anos de idade afirma publicamente ter lutado do lado errado. “Eu era um adolescente. Não sabia o que representava lutar. Mas como não tinha muitas opções, alistei-me e fui”. Adianta que hoje o seu nível emocional é baixo. Sente-se profundamente triste por ter participado numa guerra sem sentido. Ele pretende re-visitar Angola brevemente. Quer vêr o nível de crescimento do País e quer voltar “aos campos de batalha onde lutei”. Planeia viajar por estrada acompanhado dum grupo de veteranos do Umkhonto weSizwe (MK), que lutaram ao lado do MPLA, naquilo que ele considera como sendo a sua “jornada de cura”.

Outra experiência que é relatada no documento a que tive acesso é a do coronel Patrick Ricketts, que se juntou aos MK aos 20 anos e passou oito meses em campos do ANC em Angola. Ricketts já fez várias visitas a Angola e está neste momento a trabalhar no sentido de criar um museu e erguer um memorial em Cuito Cuanavale, local que foi sem dúvida um dos epicentros da guerra. O coronel Patrick Ricketts considera que “no momento em que decidimos lutar ao lado da Unita nós estávamos todos separados pela história”. Adianta que eram regidos por um sistema cruel e por isso mesmo, hoje mais do que nunca, está interessado em falar sobre essas experiências negativas vividas.

A maior parte dos sul africanos recrutados para lutar contra o MPLA considera que este é o momento para revelar factos dum periodo traumático e mostrar ao mundo o lado verdadeiro da história.

Theresa Edlmann, uma pesquisadora da Universidade de Rhodes, sublinha que aproximar os ex-inimigos é uma forma importante de voltar a analisar o conflito, porque afinal a Guerra em Angola faz parte da história da África do Sul. E isto, diz ela, é possível agora, principalmente se essa aproximação tiver como ponto de partida as bases lançadas por Nelson Mandela no que à reconciliação diz respeito.

ANGLO GOLD ASHANTI … critica política macro económica da África do Sul.


A Anglo Gold Ashanty é a terceira maior produtora de ouro. O seu investimento na África do Sul pode atingir 1.5 biliões USD em 2013. Vai ser o dobro do conseguido o ano passado. Dados oficiais indicam que ela realiza operações de mineração nos 4 continentes. Em África as actividades de exploração estão centradas no Mali, Guiné, Gana, Tanzania, Namíbia e África do Sul.

O investimento feito não encontra retorno ao nivel local, o que levou o  seu Presidente do Conselho de Administração Mark Cutifani a tecer duras críticas ao executivo de Pretória. Ele adianta que a política macro económica, especialmente a que está a ser aplicada na indústria mineira, “pode provocar uma erosão no aspecto competitivo e bloquear futuros investimentos”. Um desabafo feito no decurso duma Cimeira onde se debateram problemas do sector.

A questão das nacionalizações é algo que continua bem presente nos investidores. Só que, por diversas vezes, quer o Presidente Jacob Zuma quer a Ministra dos Recursos Minerais Susan Shabangu põem de lado essa ideia, porque “ela não faz parte do programa do Governo”. Um documento elaborado pelo ANC reforça esta ideia e adianta que as nacionalizações no sector podem constituir “um desastre sem precedentes”.

Sobre esta matéria nada está definido, até porque a palavra final sobre a nacionalização do sector cabe ao ANC. E tudo pode vir a ser discutido em Dezembro deste ano, quando se realizar o Congresso do partido no poder.

O que se sabe por agora é que já está feito um estudo, baseado em consultas feitas por uma Comissão formada para o efeito, que visitou diferentes paises que operam na indústria mineira tendo recolhido informações que poderão ajudar a tomar uma decisão. Tal como referi num artigo anterior, se houver nacionalizações a 100% o Estado vai gastar 1 trilião de randes. Se a nacionalização optar pela aquisição de 50% o gasto vai ser de 500 biliões de randes. Estes números estão nos niveis dos valores alocados pelo Governo para o OGE de 2012/2013, com um peso importante para a área de infra-estruturas e que foi apresentado em Fevereiro pelo Ministro das Finanças, o Dr. Pravin Ghordan.

A Anglo Gold Ashanty considera as políticas macro económicas da África do Sul como sendo “absolutamente inconcistentes” e adianta que os níveis de crescimento propostos não são reais, tendo em conta a crise financeira mundial, sendo que a promessa de criação de mais 11 milhões de empregos até 2030 é “uma verdadeira utopia”.

Será oportuno lembar que o ANC poderá vir a aumentar as taxas do exercício dessa actividade em mais 50%, o que não agrada aos responsáveis da Anglo Gold Ashanty porque “isso pode trazer graves consequências a futuros investimentos”.

Mark Cutifani mostra-se preocupado mas considera que o futuro da indústria mineira na África do Sul passa por uma ampla discussão entre Governo, Sindicatos e as diferentes companhias que operam no sector.

OITO OITO DIAS EM SETEMBRO ... a queda de Thabo Mbeky


O título do meu escrito de hoje é o título do livro publicado o mês passado na África do Sul pelo Reverendo Frank Chikane. O autor conta o drama vivido pelo antigo presidente Thabo Mbeky, antes de ter sido destituido das suas funções de Chefe de Estado em Setembro 2008, na sequência do Congresso do ANC de Polokwane. 

Na ocasião Mbeky perdeu as eleições internas a favôr de Jacob Zuma que assumiu o cargo de Presidente do ANC. Era suposto que Thabo Mbeky continuasse a exercer as suas funções de Chefe de Estado até ao final do seu mandato. Isso não veio a acontecer. 

Uma passagem do livro do Reverendo Frank Chikane, que no dia do seu lançamento vendeu 10 mil exemplares, e que desvenda alguns aspectos das relações Mbeky-Zuma, principalmente depois de Jacob Zuma ter sido afastado do cargo de Vice Presidente da República, refere que “o Presidente Jacob Zuma assegurou ao seu predecessor que o manteria no exercício das suas funções de Chefe de Estado, mas surpreendentemente duas horas depois Thabo Mbeky foi forçado pelo ANC a renunciar ao cargo”.
Nos círculos políticos sul africanos afirma-se que esta é uma das mais dramáticas revelações deste novo livro daquele que ao tempo de Thabo Mbeky foi Director Geral da Presidência da República.

“Eight Days in September – The Removal of Thabo Mbeky” refere que o último encontro Zuma – Mbeky, nada mais foi do que o culminar dum processo que já apontava para o afastamento do antigo presidente, numa campanha que começou muito antes do Congresso de Polokwane em 2007, orquestrada, entre outros, pelo polémico lider da juventude Julius Malema, actualmente expulso do ANC.

Tudo acontece em paralelo com o julgamento de Jacob Zuma, em Pietermaritzburg, acusado de corrupção na altura em que exercia o cargo de Vice Presidente da República. Afirma-se que o julgamento teve motivação política. Zuma acabou por ser ilibado de qualquer culpa.

Numa das suas passagens este livro refere a intervenção do Secretário Geral do ANC Gwede Mantashe que em 2006 recorreu aos préstimos do antigo presidente Nelson Mandela no sentido de este encontrar uma forma de reconciliação entre Thabo Mbeky e Jacob Zuma. Devido a outros factores políticos essa tentativa de reconciliação não produziu nenhum efeito. 

Esta publicação do Reverendo Frank Chikane aparece numa altura em que a popularidade do antigo presidente atinge niveis elevados. Thabo Mbeky aparece mais em público, opina sobre aspectos políticos e económicos da África do Sul, participa em conferências e debates. Isto, segundo alguns analistas, faz prevêr que o actual posicionamento de Thabo Mbeky pode vir a influenciar as decisões que os Delegados vão tomar no próximo Congresso do ANC, a ter lugar em Mangaung, em Dezembro deste ano, e onde se decide se Jacob Zuma permanece ou não no comando do ANC.

Logo após a publicação do livro o partido no poder na África do Sul reagiu afirmando que a decisão de retirar Thabo Mbeky da sua função de Chefe de Estado foi do ANC e não única e exclusivamente do Presidente Jacob Zuma.

O livro “Eight Days in September” que serviu de base a este meu escrito está a ser vendido nas livrarias sul africanas ao preço de 200 randes. Tanto quanto sei a editora ainda não se decidiu pela tradução do mesmo para outras linguas. Para quem se interessa por Ciências Políticas, vale a pena lêr este livro (já rotulado de polémico) do Reverendo Frank Chikane.