quarta-feira, 30 de outubro de 2013

OS PUTOS



Estou com extremas dificuldades em explicar aos putos deste país o porquê de tanta violência. Face aos múltiplos desentendimentos que me fazem lembrar o jogo do empurra, não sei como dizer que o país pode ser dividido ao meio, que o desenvolvimento vai sofrer atraso considerável e que eventualmente os putos poderão ver as suas metas, no que ao ensino diz respeito, comprometidas, porque o medo já tomou conta das nossas vidas.



Tenho dificuldade em explicar aos putos de hoje alguns fenómenos que aconteceram ao longo da nossa vida tais como a "operação produção", o cartão de abastecimento, os protestos de Setembro de 2010, a greve dos médicos. Não sei como explicar que, para sobreviver, se roubam piscas ou espelhos retrovisores dos carros ou o facto de amigos do alheio continuarem a despojar pessoas indefesas dos seus parcos haveres. Não sei como explicar esse estranho fenómeno de extração dos órgãos humanos para efeitos de comercialização fora do País.  

Vou ter dificuldade em explicar a esses “índios capitães da malta”, o significado da “juventude da viragem” porque não sei se ela existe, se algum dia existirá e para que lado ela vai virar, ou que este é um Moçambique dum homem novo, porque homem novo não comete atrocidades desta natureza. Homem novo não pede refresco. Homem novo não coloca o dinheiro da multa no bolso.

Não sei como explicar o que significa isso de “sociedade civil” porque nem eu próprio sei se essas ditas organizações existem ou não. Ou se essas organizações gravitam em torno de meia dúzia de pessoas que, para ganhar notoriedade e visibilidade, vão aparecendo em tudo quanto é debate. Pessoas que se servem das organizações em nome duma sociedade civil esfomeada. Como explicar que neste país exista um enorme fosso entre o rico e o pobre. É dificil explicar tudo isto aos putos de hoje e especialmente aos que pedem esmola porque a fome lhes abafa a dôr.



Vou confrontar-me com problemas de vária ordem, ao tentar explicar aos putos de hoje, que os ideais de Samora estão a ser relegados para segundo plano, porque se calhar hoje não é como ontem. Como explicar que  Maputo não é a cidade das acácias nem coisa que se pareça, porque as acácias não se compadecem com “dumba-nengues” de esquina, com o lixo, com a ausência de saneamento básico, de ensino e saúde eficiente e de qualidade. Dificilmente encontrarei forma de explicar a razão pela qual as pessoas são transformadas em gado, a tal ponto de serem transportadas em carrinhas de caixa aberta em vez de poderem deslocar-se dum ponto para outro em autocarros decentes, porque afinal transporte público funcional é coisa de outro tempo. Como explicar que os buracos das estradas deixaram de ser “cósmicos” e passaram a designar-se de “simanguitos”. Que o novo rico prospera de forma galopante, sem que se saiba donde vem tanta fortuna.



Não consigo explicar aos putos deste meu (nosso) país o aparecimento repentino dum bando de arúspices, que pululam pela rádio e televisão públicas, e que do dia para a noite viraram especialistas em cogitações, análises, críticas, adivinhações e prognósticos sobre política, tal qual acontecia na Roma antiga onde os sacerdotes baseavam as suas análises consultando as entranhas das vítimas. Não sei como vou explicar aos putos de hoje que, quem nos devia amparar não nos ampara. Por tudo isto e por algo mais que ficou por dizer, como vão estes putos aprender a ser homens?

PS: “Os Putos” é um poema de autoria de José Carlos Ary dos Santos. Do poema se fez um fado-canção, interpretado por Carlos do Carmo e Paulo de Carvalho.


EUSÉBIO ... QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ.



Começo por vos dizer que “roubei” o título da minha crónica de hoje ao meu colega e amigo Alexandre Franco, que, na década de 70 partilhou comigo, nas transmissões desportivas das Produções GOLO, alguns dos mais brilhantes momentos do nosso basquetebol. Eu relatava e ele comentava. Porquê este título e porquê esta crónica.



Pelo simples facto de pretender partilhar com os leitores um facto que aconteceu e que o Alexandre Franco retratou no “Milénio”, um jornal de grande prestígio e expansão no Canadá e do qual ele é o Director, com uma crítica directa ao “pantera negra”, que acabou por circular em diferentes portais da internet e tudo a propósito duma afirmação de Eusébio, que numa entrevista à revista ”Única” que se publica em Portugal disse que não gosta do Sporting, porque era um clube de elite, da polícia, que não gostava de pessoas de côr e era consequentemente racista. Eusébio faz questão nesta entrevista de se referir aos 2 sportingues. Ao da antiga cidade de Lourenço Marques, onde ele jogou, e ao de Lisboa.



Eusébio tem o direito de gostar e deixar de gostar. Ninguém tem nada com isso, até porque “gostos não se discutem”. O que não pode é andar com baboseiras que em nada prestigiam aquele que (em minha opinião) continua a ser uma referência no panorama futebolístico do mundo ao afirmar que “o Sporting era um clube racista”.

Se era um clube racista, porque é que ele foi jogar pelos “verdes e brancos”, em juniores, onde se sagrou campeão de Lourenço Marques na temporada de 1959/1960 ao lado de negros, mulatos e indianos, como foram os casos de Braga Borges, Leitão, Florentino Bessa, Sau, James, Coelho, Delfim Madala, Roberto Mata, Morais Alves ou Isidro, ou já em 1960 na equipa principal tendo como companheiros Milicas, Nuno Martins, Rangel, Ângelo de Oliveira, Simões, Amílcar, Frederico Costa ou Claudino Ribeiro, para falar apenas destes ? Foi com esse plantel que jogando por um clube racista, ele chegou a campeão de Lourenço Marques em 1960. 



Como que a querer tapar o sol com a peneira Eusébio nessa entrevista à revista “Única” afirma que não jogou no Desportivo porque o treinador deste clube não deixou.  Se não podia jogar pelo Desportivo e considerava que o eterno rival era um clube racista porque é que ele não escolheu outro clube.

Volto ao “racismo” do Sporting de Lourenço Marques, transcrevendo para esta minha crónica uma passagem dum escrito recente do meu amigo Braga Borges (foi guarda redes do Sporting e companheiro de Eusébio na categoria de juniores) e que diz assim: “Se éramos um clube elitista e racista, ele que explique então porque saíram do "seu" Desportivo, para jogar no Sporting, o Satar e o Merali, que eram indianos, e o Sérgio Albasini, que era mestiço” ?

Esquecimento ou falta de carácter ?

LM RADIO



Que o LM RADIO, criado em 1936, como canal de língua inglesa do Rádio Clube de Moçambique, teve enorme popularidade entre nós, isso é algo que quem nasceu na década de 40 sabe. A chamada "estação B", que em Lourenço Marques era ouvida em onda média, e na África do Sul em onda curta, foi referência para muitos jovens. Desse tempo recuado ficam vozes emblemáticas, recrutadas em várias partes do Globo, que colocaram o nome da estação de rádio e da então província ultramarina portuguesa no mapa da radiodifusão mundial. Vozes que vieram da África do Sul, dos Estados Unidos da América, do Canadá, da Austrália da Grã Bretanha ou da Nova Zelândia. Vozes que se cimentaram na experiência, capacidade e competência profissional de David Davies. Outros (e outras) vieram, como foram os casos de John Berks, Gary Edwards, Frank Sanders, Robin Alexander, David Gresham, Clack Mckay, Valerie Meyer, Gerry Wilmot ou Evelyn Martin, para referir apenas estes.


 1975 chegou. O LM RADIO deixou de se fazer ouvir porque o Governo considerou o conteúdo do canal, única e exclusivamente musical, como sendo "impróprio para consumo". Era o tempo do homem novo e homem novo, na opinião dos cérebros pensantes daquela época, não podia ouvir os Beatles, os Rolling Stones, Cliff Richard, Elvis Presley, Pat Boone, Dionne Warwick, Stevie Wonder, Percy Sledge ou Frank Sinatra.

35 anos depois da nossa Independência Nacional, mais propriamente em 2010, e eis que o LM RADIO ressuscita. Vem com outras vozes mas com conteúdo e perfil quase semelhantes ao dos anos 40, 50, 60 ou 70. E o que em tempo recuado era "impróprio para consumo" passou a ser aceite por uma juventude que em nada se identifica com o que se passou no tempo da outra senhora.

Tive a prova disse quando há dias, a pedido da professora Olga Neves, do colégio Kitabu, fui convidado a dissertar sobre comunicação social e radiodifusão em particular,  perante uma plateia de 90 alunos da nona e décima classes daquela instituição privada de ensino. Para minha (agradável) surpresa, fiquei a saber que, em matéria de Rádio não ouvem a Rádio Moçambique "porque estamos cansados de política". Preferem a SFM e o LM RADIO. Em matéria de televisão a opção principal é a STV sendo que, para esses alunos do Kitabu, a TVM fica relegada para terceiro plano. Verdade nua e crua de jovens estudantes do ensino secundário, de 15 anos de idade, que pensam e sabem o que querem. Será que alguém vai atrever-se a chamar estes jovens de "apóstolos da desgraça"?



O convite que me foi feito pelos responsáveis do Colégio Kitabu significou valorizar o conhecimento que em meu entender não passa apenas pelo estímulo moral  ou material, traduzido por medalhas ou diplomas. Passa também por permitir que quem sabe possa ter espaço para transmitir os seus conhecimentos. Espaço que muitas vezes é negado. A não transmissão de conhecimento leva ao descalabro profissional. Os erros, sejam eles de que natureza forem, podem afastar o destinatário do nosso caminho.

O COMPROMISSO.



Decidi que ao longo deste mês de Outubro as minhas crónicas semanais incidiriam sobre a Rádio Moçambique, a entidade pública de radiodifusão que foi criada a 2 de Outubro de 1975. A de hoje leva-me a questionar sobre uma frase que um dia me foi dita por um dos responsáveis da nossa emissora pública. Dizia ele que “a rádio tem o seu compromisso com o Governo”. Eu não tenho dúvidas. Só que esqueceu-se de dizer que tipo de compromisso é esse. Porque compromissos há muitos. As formas de os materializar também. Há por exemplo e de forma muito comum nos nossos dias, os compromissos próprios dos que bastas vezes funcionam como caixa do correio. Recebem ordens e cumprem. Ditam no sentido vertical. De cima para baixo. Não analisam sequer o efeito e repercussão que pode provocar uma ordem mal dada.



Quem afirma que “temos um compromisso com o Governo” esqueceu-se, de outros compromissos que a Rádio tem, sendo que, um deles, o prioritário, é para com o seu público. É esse o seu destinatário. E é para esse que se deve trabalhar, no sentido de lhe oferecer aquilo a que ele tem direito, sem imposições, como hoje acontece. Lamentavelmente, impôr é palavra de ordem. O chefe mandou fazer, então faça-se.

O chefe mandou por exemplo retirar da Grelha da RM todos os programas de natureza musical que não têm perfil e conteúdo moçambicano. Estes só podem ser transmitidos depois das 22 horas. São opções. Como resultado disso, os que gostam de ouvir Frank Sinatra, Count Bassie, Yves Montand, Maria Bethânia, Roberto Carlos, Luciano Pavarotti e por aí fora, que se arranjem, porque afinal, certamente na opinião dos gestores da RM, “esses são uma minoria”. É por causa dessa minoria que muitos, com um simples gesto, mudam de estação emissora. Mas aos gestores da nossa rádio pública tanto se lhes dá como se lhes deu.

E que o diga aquela que foi a Directora Adjunta de Programas da Rádio Moçambique, (hoje reformada) quando foi confrontada com o problema pela primeira vez. O Programa da Criança, que estava sob sua batuta, teve (e acredito que ainda continua a têr) inúmeras dificuldades em pôr em prática a decisão. E tudo por uma razão bem simples. Não há na RM música moçambicana de qualidade em quantidade suficiente para “alimentar” horas seguidas de emissão. Não há nem haverá tão cedo, porque a tendência de hoje (quem sabe se um mal necessário) é produzir, na maior parte dos casos, música moçambicana de baixa qualidade. Por isso mesmo, agora, para debelar essa ausência, na Rádio Moçambique o sistema é “vira o disco e toca o mesmo”.

Até os emblemáticos temas da nossa música, produzidos com extrema qualidade por Fany Mfumo, Grupo RM, Chico da Conceição, Elvira Viegas, Ghorwane, Fernando Luís, Baba Harris, Ildo Ferreira, Gabriel Chiau, Alexandre Langa, Eva Mendonça, Tomás Guilhermino, Aly Faque, Arão Litsuri, Hortêncio Langa, Eyuphuro, Chico António, José Mucavele, Mingas e tantos outros, viraram raridade na nossa rádio pública.

Será que é função da RM intoxicar-nos com um tipo de música, que hoje, qualquer autor, compositor ou intérprete faz com recurso ao computador?

Bastas vezes, minutos antes da transmissão dum boletim informativo, apresentam-se extratos de peças de música tradicional. Toca-se este tipo de música como quem toca, numa emissão de continuidade, uma música ligeira moçambicana, esquecendo-se que uma peça de música tradicional precisa de enquadramento através de notas explicativas, que permitam ao ouvinte perceber o que está a ouvir.

Infelizmente para muitos, com poder de análise e decisão falta o conhecimento. Lamentavelmente, na nossa rádio pública e não só, há muitos a engrossar a fileira dos que já não pensam por si. São os outros que pensam por ele.