quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

OS ORIGINÁRIOS OU GENUÍNOS !

Alguns dos nossos governantes não gostam de ouvir falar de redes sociais por considerarem esta plataforma tecnológica como “laboratório ou fábrica de sonhos inalcançáveis”.
Quer queiram quer não é pela via das redes sociais que ficamos a saber aquilo que os órgãos públicos de comunicação social escondem. Foi pelas redes sociais que eu fiquei a conhecer o depoimento dum antigo combatente da luta de libertação nacional, que esteve presente no recente comício de apoio ao Presidente Armando Guebuza. Quando entrevistado pela TVM afirmou que o Professor Castel Branco devia ser expulso. O jornalista que entrevistava, por sinal o meu colega e amigo Simião Ponguane recordou ao seu entrevistado (escuso-me de mencionar aqui o seu nome) que, independentemente de ser de raça branca, o Professor Castelo Branco é moçambicano, ao que o ilustre entrevistado respondeu: “não é moçambicano originário, por isso podemos expulsá-lo”.

Na sequência deste episódio e também numa rede social apareceu este comentário: “eu, que sou filho de português com mocambicana negra, mulato e chigondo, os meus filhos são de mulato com mulata, onde vamos viver? Será que é isto que a Frelimo quer? Será que Guebuza precisa mesmo de bajuladores que chegam a este ponto ?
Como se não bastasse este exemplo, a semana passada recebi um email duma leitora assídua do “Correio da Manhã”. Preocupada com a questão dos “moçambicanos originários e/ou genuínos”, ela diz-me que “fui criada numa família multicolorida. A nossa família é um verdadeiro mosaico de cores. Minha avó era “caneca” filha de goês com uma negra. Ela casou com um “cafuso”. Os seus filhos casaram-se com “um pouco de tudo” e assim nascemos nós. Não consigo situar-me num Moçambique com problemas rácicos. Tenho medo, não por mim mas pelos meus filhos, que têm primos, uns louros e de olhos azuis e verdes e outros escurinhos de cabelo corrido e ainda outros negrinhos do estilo “guinéus”. E eles, jovens, nunca se sentiram diferentes. Como é que de repente se vão sentir quando forem confrontados com esta situação, sabendo de antemão que não são originários ou genuínos? Sinto-me desolada com tudo isto”.

Recordo-me duma discussão havida na então Assembleia Popular sobre esta questão da nacionalidade originária ou genuína e do posicionamento dum ministro (de origem asiática) do governo da época, que dizia mais ou menos assim: “que culpa tenho eu de ter nascido em Moçambique?

Para fechar a minha crónica de hoje parece-me oportuno transcrever, com a devida vénia, uma passagem da entrevista que Sérgio Vieira concedeu ao semanário “Savana”. Ao abordar a questão do racismo ele referiu que “quem anda à procura de genuíno ou não genuíno que leia a Constituição da República e que não dê machadadas na pátria. Será que alguém é capaz de mostrar quem é genuíno? Posso ir mais longe. O grosso dos moçambicanos é de origem bantu e os bantus foram invasores. Vieram da África ocidental.”
Para Sérgio Vieira esta declaração de moçambicano originário ou genuíno, venha de quem vier, é uma asneira. Pode ser, adianta, que haja uma intenção oculta. É uma machadada na moçambicanidade. Tal como Sérgio Vieira, muitos de nós nunca mudámos de côr nem dos nossos antepassados. Muitos de nós serviram e agora não servem. Muitos de nós éramos genuínos e agora não somos.

Segundo sei e se diz por aí à boca cheia, “genuínos” e “não genuínos” que alguns membros da Frelimo teimosamente decidiram introduzir no dicionário político, tem como objectivo fazer a diferença entre nacionais negros e não negros. Esquecem-se os mentores desta ideia absurda e macabra, que também há cidadãos negros “não genuínos”. Pesquisem. Estou certo que vão encontrar.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário