O título bem como partes do texto da minha crónica de hoje não é meu. É de
autoria da jornalista e escritora brasileira Rosiska Darcy de Oliveira, eleita
em Abril do ano passado para a Academia Brasileira de Letras. Transcrevo aqui,
com a devida vénia, algumas dessas partes, por considerar interessantes e
importantes. Acredito que algumas das passagens deste escrito de Darcy de
Oliveira são desconhecidas do grande público.
O título “A Graça de Mandela” dá origem a uma crónica, onde se retrata,
logo de início, o primeiro encontro entre estas duas mulheres. Uma scritora e jornalista
e uma outra, “vestida de preto dos pés à cabeça, alta e magra, elegantíssima,
que parecia uma capa da revista Vogue”, de seu nome Graça Machel.
Era 1991. Graça estava viúva há cinco anos, mas ainda
mantinha um luto fechado pela morte do marido, Samora Machel, presidente e
herói da luta da independência de Moçambique. Mais de duas décadas depois, ela
viveu a morte de outro marido, outro ícone da luta africana. Mantém-se impecável,
discreta diante das homenagens planetárias e distante da luta pela herança
política ou da disputa para faturar com a marca Mandela.
A jornalista a escritora brasileira Darcy de
Oliveira refere-se a estes dois casos como tendo sido “duas grandes histórias
de amôr”. Na época do assassinato de Samora Machel, Graça foi chamada de Jackie
Kennedy de Moçambique. Mais por vício dos jornalistas que comparavam o drama
das duas jovens viúvas, mães de filhos pequenos, duas mulheres cosmopolitas,
autoconfiantes, instruídas. Definitivamente, Graça jamais entrou no figurino
daquela tal grande mulher por trás de homens sensacionais.
É provavelmente a africana mais conhecida
internacionalmente, com uma longa carreira ligada à defesa das liberdades. Foi
companheira de armas de Samora Machel na guerra pelo fim do colonialismo
português e até hoje, diz a escritora Darcy de Oliveira, “sabe carregar um fuzil”. Centrou no combate
ao analfabetismo o seu trabalho como ministra da Educação de Moçambique, país
que ocupa o seu coração e grande parte da sua energia política.
É feminista desde sempre. Lidera uma campanha
“Girls not Brides” (meninas, não noivas) contra os casamentos forçados. Ganhou
a medalha das Nações Unidas pelo seu trabalho com crianças em campos de
refugiados. Fez parte da “Terra Femina”, organização internacional de mulheres
criada por Rosiska Darcy de Oliveira e trabalhou com Ruth Cardoso numa ONG
fundada por Ted Turner. Foi convidada para concorrer ao cargo de
secretária-geral da ONU antes da eleição de Kofi Annan mas, fiel ao seu passado
de guerrilheira, recusou. “Falta vontade política, o que vou fazer lá?”.
É desta época o início do namoro com Mandela. O
primeiro encontro, contou Graça Machel à TV Al-Jazeera, foi quando os dois
estavam péssimos. Ele saíra há pouco de Robben Island e acabara de passar por
um dramático divórcio da sua segunda mulher, Winnie Mandela, que tomara outros
caminhos políticos e sexuais enquanto ele estava preso. Mandela na época
qualificou-se como o mais solitário dos maridos. Graça procurou o então
presidente do Congresso Nacional Africano (ANC), porque queria a ajuda dele
para saber a verdade sobre a morte do marido. “Estávamos os dois precisando de
alguém para conversar, alguém que entendesse as nossas histórias”, contou.
Os paparazzis foram os primeiros a descobrir o
romance. Fotografaram o casal de mãos dadas e, mais tarde, um beijo dos dois.
Mandela e Graça casaram-se no dia do aniversário de 80 anos dele. Ela 27 anos
mais nova. Os próximos ao casal dizem que esta foi a união mais feliz de
Mandela.
Graça, nas poucas entrevistas recentes, contou à
BBC que criou uma casa com espaço para a família dele e dela, porque ele jamais
convivera com os filhos. Ao sair da cadeia todos já estavam crescidos e o
casamento desfeito. Como ex-presidente, Mandela emprestava o seu carisma para
as causas africanas e, junto com Graça, angariou recursos para campanhas contra
a Sida. Foi ao lado dela que Mandela anunciou a morte do filho, vítima de Sida
e pediu o fim do silêncio sobre a doença, uma política obscurantista do governo
do atual presidente Zuma.
Desde que o marido entrou no hospital, Graça Machel
cancelou todos os seus compromissos e, enquanto o clã brigava, ela era só
afeto. Winnie usou este tempo de espera para tentar recuperar espaço na arena
pública, enfatizando o seu papel no legado de Mandela. Os filhos e netos
entraram numa luta pelo uso da imagem de Mandela, vendendo camisetes com
palavras do tipo “revolucionário” e “longo caminho da liberdade”, licenciando
bebidas e outros produtos com o nome do velho líder político.
Alheia a esse drama, Graça não saiu do lado de
Mandela nos 181 dias entre a saída do hospital e a sua morte. Segundo o jornal
espanhol “El País", Graça lia livros para ele, sem saber bem se seguia as
histórias, e apertava a sua mão. Enfrentou
com coragem essa longa semana de
despedidas. A partir de agora, segundo a jornalista e escritora brasileira
Rosiska Darcy de Oliveira “vai ter de reinventar a vida de novo”.
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